quarta-feira, 30 de setembro de 2015

BR 319: um passeio pela floresta amazônica



Conhecer nosso país, ver com os próprios olhos todas as belezas naturais, o potencial de desenvolvimento e constatar as injustiças sociais nos faz valorizar o que temos e desacreditar desta "justiça" que sugere a todo brasileiro ter os mesmos direitos básicos. Foram 14 dias de viagem por sete estados, 6.716 km rodados e 30 horas de barco. Uma aventura pensada e preparada para conseguir curtir lugares e paisagens. 

Percorrer a BR 319 foi um grande desafio físico, psicológico, de preparação das motos e de estratégia para que nada saísse errado. Tudo isso faz desta estrada, que é uma rodovia federal, um marco para qualquer motociclista.

A viagem de Manaus a Santarém de barco foi uma grande aula de cultura amazonense. Convivemos com moradores e viajantes que contaram suas alegrias, angústias e tristezas desse tipo de viagem.

No trajeto de volta rodamos 130 km pela BR 230 - Transamazônica, oportunidade em que relembramos nossa passagem por lá em 2013. Embora tenham asfaltado uma parte, ainda assim algumas cidades não mudaram ou não progrediram nesses dois anos.

A viagem pela BR 163, no sul do Pará, nos impressionou pelas péssimas condições da rodovia. Além de perigosa pela poeira, na seca, ou barro, na chuva, a quantidade de caminhões que passa por ela diariamente complica muito o tráfego.

A viagem começou em 5 de setembro em direção à Humaitá, no sul do Amazonas, o início da BR 319. 


Nessa primeira etapa sofremos com o calor escaldante do asfalto e com a quantidade de caminhões que trafega no Mato Grosso escoando a safra agrícola. Foram 4 dias até chegar ao ponto de partida da "Rodovia Fantasma".














Era por volta de 11h30 quando entramos na Amazônia, motivo de grande alegria. Sabíamos que realmente o início do nosso desafio estava perto.


Chegamos a Humaitá e logo procuramos uma oficina para revisar as motos. Tudo deveria estar ok para a nova etapa da viagem, agora no off-road.

Às 7h30 saímos para completar os galões com gasolina, abastecemos as motos e partimos para a primeira etapa na BR 319: Vila Realidade, distante 100 km e último ponto de abastecimento de combustível antes de Careiro, cidade próxima a Manaus.

Em 2013, quando percorremos a Transamazônica até Lábrea, passamos pela famosa placa indicando a direção de Manaus. Na época falei para o Nenê, parceiro daquela e novamente desta viagem, que na próxima vez que passasse por este local seria para fazer esta estrada até o final. Finalmente o dia chegou.




No posto de combustível da Vila Realidade encontramos três viajantes que vinham de moto de Manaus e disseram que gastaram dois dias para atravessar a floresta. O que nos chamou a atenção foi o tipo de moto e a quantidade de bagagem que carregavam. Eles nos disseram que a estrada estava boa. 




Partimos mais confiantes do que nunca. Como havíamos combinado de pernoitar numa torre da Embratel no meio da estrada e também parar muito para fotos, seguimos sem muita pressa para chegar em Manaus.








Na fazenda do Catarina tomamos água gelada e conversamos com o proprietário.
Antigo morador da BR 319, muito simpático e bom de papo, o senhor Catarina viu a estrada ser destruída e nos contou algumas histórias de queimadas, descasos políticos, postes de fibra ótica que permitem à estrada continuar aberta, malárias e as dificuldades vividas em função de melhores condições da estrada.











A rodovia estava sendo arrumada por uma empreiteira e algumas pontes haviam sido reformadas. Cruzamos com alguns trabalhadores. 












 
Mais alguns quilômetros e, numa ponte, um dos alforjes da minha moto rasgou e quase caiu. Eu carregava cinco litros de combustível em cada um. 
Paramos em um clareira feita pelos trabalhadores e reabastecemos as duas motos com o combustível que eu levava para aliviar o peso. Amarramos os alforjes, tomamos um lanche e seguimos viagem.


 



Já passava das 13h quando partimos em direção à parte mais isolada e complicada da estrada, conhecida como "Meião", logo depois do km 250. Tínhamos a informação de que 50 km do Meião estavam esburacados, seria a parte mais complicada. 
Com o passar dos quilômetros, o mato afunilava a estrada. As árvores se encontravam no alto das suas copas, deixando somente uma clareira no meio da floresta. 









Nossa intenção era pernoitar numa torre da Embratel, mas encontramos um carro que seguira para Careiro e o motorista informou que a comunidade de Igapó-Açú estava a apenas 100 km. Eram 16 horas e já havíamos percorrido mais de 30 km da pior parte. Decidimos chegar a Igapó-Açú.

 



Eram 18h30 quando chegamos na pequena comunidade de Igapó-Açú. Fomos direto para a pousada da Dona Mocinha, na qual fomos gentilmente recebidos e acolhidos.

Estávamos felizes por termos feitos a pior parte da estrada em um dia. Apesar do alforje arrebentado, fizemos apenas um reabastecimento e tudo deu certo.

Nos instalamos, tomamos um merecido banho e jantamos um delicioso tucunaré, acompanhado de uma agradável conversa. A curiosidade era grande dos dois lados. Eles querendo saber tudo sobre nós, e nós desejando conhecer suas histórias e também desta tão falada rodovia.
 


Esta comunidade só dispõe de um telefone à bateria solar como meio de comunicação com o mundo exterior, um telefone que eles zelam com muito cuidado, pois não há outro que o substitua. Uma enorme ironia, pois conversávamos diante de uma enorme torre da Embratel, que corta a comunidade. 
Estas torres são a única ligação de Manaus com o resto do mundo via fibra ótica e não seria muito complicado, caso houvesse interesse político, ligar este pequeno vilarejo pelos mesmos cabos que eles ajudam a manter nas torres, protegendo do fogo que pode ocorrer na época da seca. 

Os moradores de Igapó-Açú pagam R$ 250 a um motorista que vai, de kombi, até Careiro, distante cerca de 100 quilômetros. Fora este veículo, o barco é o principal meio de locomoção desta região. 















No dia seguinte, após um delicioso café, conhecemos o projeto de reprodução do tracajá (cágado muito comum na Amazônia), por meio do qual os moradores colhem os ovos e os deixam em um local apropriado até que nasçam os pequenos tracajás. Depois de nascidos,  são deixados em cativeiro por 90 dias, até que cresçam um pouco e consigam se livrar de predadores naturais, como os peixes. Neste local havia 46 ninhos com 12 ovos cada um.
 


Este projeto tem 5 anos e já devolveu mais de 2,5 mil tracajás ao rio que nomeia a pequena comunidade. 

Reabastecemos com a gasolina do meu irmão, revisamos as motos e arrumamos as bagagens. Pegamos a balsa para Manaus, o próximo destino.







Era por volta de meio-dia quando chegamos à balsa que faz a travessia até Manaus. Aguardamos 30 minutos para subir na balsa e mais 30 minutos para carregar todos os caminhões, carro e motos.











No meio da travessia vimos o encontro dos rios Negro e Solimões. Fantástico!





Já na capital manauara, tiramos um dia para descansar e conhecer um pouco das belezas da cidade. 
















































































Embarcamos para Santarém na manhã seguinte. O maior problema foi colocar as motos dentro do barco, já que não existe um lugar próprio para embarcar as motos.
Os funcionários do porto desceram dois lances de escada carregando as motos e as levaram por uma rampa até embarcá-las. Foi a parte mais estressante de toda a viagem. 



O trânsito até o porto é muito complicado, e lá chegando há muita falta de informação, além da descarada exploração dos carregadores para transportar qualquer bagagem até o barco.  
















Motos embarcadas, subimos ao segundo salão para estender as redes. Preferimos ficar no meio do barco para evitar o sol, seguindo a indicação de um antigo viajante deste tipo de embarcação e que seria nosso vizinho ao longo da travessia pelo rio Amazonas. O número de ganchos para redes nos causou surpresa, mas tinha razão de ser. O barco tem capacidade para 1.397 passageiros, além de carros e de toda a carga de mercadorias.



Ao meio-dia e meia, finalmente partimos com destino a Santarém, no Pará.















Em todas as cidades onde o barco passou, não era permitido descer. As paradas eram somente para embarque e desembarque de passageiros. No dia seguinte, por volta das 10h30, quando o barco passou em Juriti, nos aconselharam a comprar marmitas(quentinha) de comida. Pelo que diziam, era melhor dispensar o almoço do barco.

Mal o barco atracou e apareceram vários vendedores de marmita. A comida era trazida até nós por uma vara, que tinha, na ponta, meia garrafa pet cortada como um funil e  amarrada, para levar as mercadorias e receber o dinheiro. 


 A viagem foi muito tranquila naquele imenso rio caudaloso, em cujas margens conseguíamos ver, à noite e ao longe, várias luzinhas de casas, comunidades, fazendas ou cidades. Conversando com os vizinhos de redes, aprendemos os costumes amazonenses e manauaras.










Depois de 30 horas de viagem chegamos a Santarém. Desembarcamos as motos e fomos procurar um hotel para, no dia seguinte, encarar a BR 163, da qual tanto ouvimos falar - mal -, da poeira e dos caminhões. 

 
 

A maior fama desta rodovia é a poeira, que cega qualquer motorista e faz com que as motos deslizem pelo talco que se forma no solo, semelhante ao areião, mas de poeira.



O que estava ruim com poeira ficou pior quando choveu. Todo aquele pó virou um grande sabão. A moto escorregava para todos os lados.






Finalmente chegamos no asfalto e seguimos firmes em direção às nossas casas. Só mais quatro dias...



Chegamos à cidade de Castelos dos Sonhos. Ter atravessado a pior parte da BR 163 e, a partir dali, seguir pelo asfalto até em casa era mesmo um sonho. Antes do asfalto, porém, um merecido banhos nas guerreiras e as devidas manutenções para a longa viagem de volta.



No Mato Grosso, uma parada na Chapada dos Guimarães para realizar um sonho de meu irmão, que ainda não a conhecia. 
 




Faltavam apenas dois dias para chegar e a vontade de dormir em nossas camas era grande.


Vídeo da viagem: